Kinderdjik
E construiram uma casa impraticável sobre a palha dos dias.
Maria Velho da Costa
Fiz ontem anos, mãe, lá pela madrugada
E tu não vieste pentear os meus cabelos.
Serei assim a imperfeição de uma obra acabada.
Por vezes, neste chão impermanente, acontecem
Salgadas, as gotas que as andorinhas trouxeram lá do mar.
Elas são tão pequenas, mãe, para uma tão longa travessia!
Chamo-te
Tu não vens
Protejo-me então no pensamento do teu colo
- Vou enrugar a perfeição do teu vestido-
E fecho os olhos que uma tristeza rebelde me colou.
Sabes, foi em vão que revesti a alma com as folhas de hera dos caminhos
Que a minha vida é um ciclo ondulado de fuga à solidão.
Resta-me a tarde que se afasta numa ânsia de anil.
Como a fita que atava os meus cabelos corre a noite para além do mar.
Fiz ontem anos, mãe,
Na madrugada datada pelos astros
Gostava que alguém me tivesse oferecido uma flor.
Amarela.
Mucha
O desconhecido que passa e te acha ainda digna de uma fugidia palavra de desejo,
Talvez porque na sombra da noite tão doce de Maio
Ainda resplendem teus olhos, ainda tem vinte anos a ligeira figura deslizante,
Não sabe que foste amada, por aquele que amaste amada, em plena e soberba
delícia de amor,
E em ti não há membro nem ponta de carne ou átomo de alma que não tenha uma marca de amor.
Que tu viveste apenas para amar aquele que te amava,
E nem que quisesses podias arrancar de ti essa veste que o amor teceu.
Ele, ignaro, em ti já não bela, em ti já não jovem, saúda a graça do deus:
Respira, passando, em ti já não bela, em ti já não jovem, o aroma precioso
do deus:
Só porque o levas contigo, doce relíquia à sombra de um sacrário.
Ada Negri
- Gosto das árvores, que não temem o cair das folhas...
- Talvez temam, quando sentem que elas caem pela última vez.
José Marafona
Non ti muovere
Lascia parlare il vento
Così è Paradiso
Ezra Pound
Foto de Paulo Medeiros
Pedes-me para contar uma história porque ignoras que, apesar de ávido ouvinte, não sou um bom contador de histórias: só sei ver e sonhar. Mas para satisfazer o teu pedido, escolhi uma que, nascida embora na rotina prudente dum mundo velho e sábio, soube penetrar o inefável e provar que, para recuperar sonhos perdidos, é preciso sonhá-los outra vez.
Imagina que é uma lenda, feita da beleza e da crueldade com que se constróem todas as lendas, bela e cruel apenas por existir sem existência.
Com um princípio demasiado vago para se datar e um final que se alonga como as vagas, em busca de uma qualquer encarnação, não há nela nada de muito concreto: aqui, apenas permanece a importância dos momentos que se esqueceram por não terem importância e é pois, só a eles, que ela deve o seu ser.
Esta é a estranha história da tarde de verão em que os Elfos chegaram de mansinho, acompanhados pela magia que há em tudo o que é fugaz e de como, num misto de exaltação e de recusa os acompanhámos até à clareira de um bosque luminoso, surgido à beira de um grande lago de profundas águas azuis, numa terra momentaneamente abandonada por todos homens. E de como depois, na sombria profundidade da noite, dançámos apaixonadamente, glorificando a vida.
E porque ficou suspensa entre os ténues fios do nunca e do sempre, esta é, na sua essência, uma verdadeira never ending story.
Aqui, pela beira do rio, junto às margens,
Perfume de mãos correndo à tona de água,
Se alonga a tua sombra.
Nas ramagens, falsos tectos teus,
Fremem secretos veios de secretas seivas
E nas folhas, a tranquila revolta
De um entardecer que demora em chegar.
Nada aqui é grande
Só a montanha, que talvez exista lá ao longe, ao longe.
Aqui tudo é vida e voragem.
Aqui, pela beira do rio, junto às margens
Nem deuses, que os deuses pensam e fervem como os homens.
Ausente, algures na outra margem, o pântano.
Ramos líquidos escorrendo na lama de um castanho sem fim.
Só aqui é estavel.
Só aqui é estável...
Aqui, pela beira do rio, junto às margens,
Eu, rosa de areia
Sou apenas aquilo que se move.
Paragem Breve-In Conto do Entardecer
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